segunda-feira, 9 de julho de 2012


Igarapé do Mindu é 'condenado à morte' em Manaus

Reportagem de A Crítica mostra as condições críticas do maior curso d’água de Manaus desde a nascente limpa na Zona Leste

    Moradora do Bairro São Jorge, Zona Oeste, joga lixo no igarapé
    Moradora do Bairro São Jorge, Zona Oeste, joga lixo no igarapé (Márcio Silva/A Crítica)
    A caminhada de dez minutos no meio da floresta leva a um pequeno matagal de onde brota um olho d'água. O cenário é idílico. Uma pequena elevação no terreno represa a água e forma uma piscina natural cujo fundo é uma “cama” de mata verde que parece dançar ao ritmo das águas. É nesse pequeno éden que nasce o mais extenso e um dos mais emblemáticos igarapés de Manaus: o Mindu. O cenário em nada lembra o atual imaginário coletivo em torno deste igarapé em que só há lugar para águas poluídas e fétidas. Ali, as águas são límpidas, frescas e saudáveis. Mas não por muito tempo. 
    As nascentes ficam dentro do Parque Municipal das Nascentes do Mindu (PMNM), uma unidade de conservação com pouco mais de 16 hectares.  O parque  foi criado em 2007 numa tentativa desesperada de preservar, ao menos, o “berço” do igarapé. À época, a região onde se concentram as nascentes estava tomada por moradores da então invasão Cidade de Deus,  Zona Leste.  Oficialmente, para chegar à nascente do parque é preciso ter autorização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas). Na prática, qualquer um entra.
    Sujeira

    Água do igarapé é transformada em lixão (Foto: Márcio Silva)
    Da entrada do parque  até as nascentes, é possível ver sacos plásticos, embalagens, e outros tipos de lixo espalhados pela mata. “Cercamos o parque, mas os moradores continuam entrando. É difícil controlar. Somos poucos e muita gente vive no entorno”, diz o administrador do parque, Rômulo Fernandes.
    A nascente mais próxima logo surge no caminho. Trata-se de um olho d'água que mina sem parar escondido entre folhas e uma touceira. A água, tímida, vai escorrendo por um leito de folhas e galhos até encontrar um areal branco. “Pode beber a água que não tem problema, aqui é potável”, diz a pesquisadora  do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Hillândia Cunha Brandão.
    As medições são feitas com análises do PH (acidez), níveis de oxigênio e exames que detectam os coliformes fecais encontrados nas amostras. Ao longo de 24 quilômetros, o Mindu tem apenas um ponto em que a água é potável: No nascedouro.
    O problema no berço não é o lixo que se encontra pelas trilhas, mas mais que uma ameaça, esse lixo é apenas um indício de que algo vai mal por ali. Depois de escorrer e encontrar o início de seu leito, o Mindu segue cortando o parque até encontrar as águas de um pequeno córrego. De cima de uma pequena ponte de madeira, a diferença de tonalidade entre as duas águas é evidente. A do Mindu, recém-nascido, é límpida, enquanto a do córrego, carregado do esgoto das casas do entorno do parque é turva e fétida. “Construímos uma estação de tratamento de esgoto, mas a situação aqui é muito complicada. Os moradores despejam o esgoto diretamente no córrego”, afirma Rômulo.
    Entorno
    Se nem dentro do parque o Mindu tem descanso, é fora que ele sofre um acelerado processo de degradação ambiental. Os muros quebrados do parque não delimitam apenas o seu final, mas também o “salvo conduto” para que a população do  entorno o utilize como lixeira pública.
    As casas da região não são atendidas pela rede de esgoto. Quem não tem fossa séptica, despeja seus dejetos em valas que, invariavelmente, vão desaguar no Mindu.
    A dona de casa Fernanda Souza, 19, desce as ladeiras do bairro carregando uma sacola de lixo que ela joga  nas margens do igarapé, que a essa altura tem menos de dois metros de largura e menos de 20 centímetros de profundidade mas cujas águas já adquiriram um tom cinzento.
    “O caminhão do lixo não chega até onde eu moro, principalmente quando chove. Sei que é errado, mas o que é que a gente vai fazer com o lixo, então?”, indaga.
    Água

    O igarapé sofre com a poluição no Bairro Parque Dez, Zona Centro-Oeste (Foto: Márcio Silva)
    A pesquisadora Hillândia Cunha Brandão  fez testes para medir os níveis de acidez, oxigênio e coliformes fecais em três diferentes pontos do igarapé. Os resultados indicam que ele encontra-se em estado gravíssimo e que a principal ameaça à sua sobrevivência é o despejo de esgoto sem tratamento em suas águas.
    “Na nascente o igarapé apresenta ótimos índices. A água é considerada própria para banho. Nos outros pontos em que as medições foram feitas (Parque do Mindu, e bairro da Glória), o resultado aponta para uma água de péssima qualidade, imprópria para banho e para consumo”, completa.
    Os resultados dos testes feitos pela pesquisadora revelam uma tendência já apontada por pelo menos três estudos divulgados entre 2011 e 2012 sobre a qualidade das águas em Manaus.  Segundo o estudo “Panorama da Qualidade de Águas Superficiais do Brasil” feito pela Agência Nacional de Águas (ANA), Manaus produz 67 toneladas de esgoto todos os dias. Dados do Ministério das Cidades indicam que apenas 11% desse esgoto é coletado e que somente 38% do que é coletado passa por algum tipo de tratamento. Cruzando os dados, é possível dizer que apenas 4,17% de todo o esgoto de Manaus é tratado. O restante, é jogado in natura em igarapés como o Mindu.
    De acordo com a Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Urbanos (Semulsp), não há dados oficiais sobre a quantidade de esgoto despejada no Mindu. Mas de acordo com o  diretor da organização não-governamental Fundação Vitória Amazônica (FVA),  Carlos Durigan, o Mindu é um dos igarapés mais impactados de Manaus. “Como ele é o mais extenso e corta regiões altamente povoadas como a Zona Leste, o Mindu recebe os dejetos de uma grande parcela da população da cidade”, analisa o dirigente.